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Belém

Juventude negra resiste, produz e manda seu recado

Cintia Magno

Contrariando a estatística preocupante que repetidamente aponta a juventude negra como a maior vítima da violência no Brasil, os jovens negros seguem resistindo, produzindo, criando e também pensando a política de melhorias que desejam ver aplicadas no país. Muito além da sobrevivência, o que a juventude demanda são melhorias estruturais que possam garantir uma vida com a qualidade e o respeito que tanto merecem.

No centro do debate promovido pelo Ministério da Igualdade Racial nas Caravanas Participativas do Plano Nacional Juventude Negra Viva, oitiva que chegou à Belém na última semana, os jovens negros apontam que mais do que acesso, é preciso garantir condições de permanência nas universidades do país; que é urgente a necessidade de se pensar políticas públicas voltadas à atenção à saúde mental da juventude e que deve-se dar a devida atenção à produção cultural desenvolvida nas periferias e ao protagonismo da juventude negra para além das demandas de não violência.

Para conhecer essa e outras pautas que estão entre as preocupações da juventude negra amazônida e paraense, o DIÁRIO foi até eles para ouvir quais são as principais demandas para a sociedade, hoje? Com a palavra, a juventude negra.

 

Marcos Henrique, 23 anos, universitário e integrante do Movimento Popular da Juventude (MPJ).

Marcos Henrique: universitário e integrante do Movimento Popular da Juventude (MPJ). Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

A gente vê esse momento de escuta como um momento importantíssimo porque a gente sabe que a juventude negra é a que mais morre no Brasil; e a gente sabe muito bem que tem que ter políticas públicas voltadas para essa juventude negra que está justamente nesses bairros de periferia.

A gente entende que a juventude negra, neste momento, quer ter emprego, quer ter renda, mas para além de emprego e renda quer ter um emprego de qualidade, quer viver com dignidade e não sobreviver. A gente tem tentado sobreviver nesses últimos anos e agora eu acredito que chegou a hora da gente viver e, para além disso, como juventude negra, a gente quer ter mais espaço dentro das universidades. A gente já alcançou muito isso durante a política de cotas que tivemos e que, inclusive, está passando agora pela revisão.

Ela tem que ser aprovada dentro do Congresso Nacional, novamente. É uma política afirmativa que fez muitos de nós entrarem na universidade, eu mesmo estou na universidade através da política de cotas e a gente acredita que todas as ações que já foram implementadas no passado têm que ser melhoradas, aperfeiçoadas e esse é o espaço.

Eu acredito que a gente está em busca de ser ouvido para melhorar os espaços que a gente já tem hoje, colocar o que a juventude negra de Belém quer porque a gente sabe que a juventude negra do Sudeste, do Centro-Oeste, do Nordeste é muito diferente da juventude negra da Amazônia, que tem uma característica própria. Só o nosso Estado é gigantesco e a gente sabe que é importante implementar e fazer essa escuta com a juventude negra daqui da Amazônia.

A gente quer mais investimentos na saúde, na educação, na segurança pública, que os policiais tenham formação para saber como abordar essa juventude negra. A gente sabe que quando se faz uma abordagem, é sempre priorizado o jovem negro e sabemos o porquê de sempre pararem os jovens negros.

Toda essa questão da juventude negra passa por tudo isso, desde o debate da segurança pública ao emprego e à permanência nas universidades. Não é só entrar nas universidades, mas ter políticas públicas afirmativas que façam a gente permanecer lá através de bolsas, através de programas de incentivo e não só nas universidades públicas, mas também nas universidades privadas porque hoje a gente tem o Prouni e o Fies, que são programas que fazem a juventude acessar a universidade privada.

Existem políticas públicas desse tipo dentro da universidade pública, mas não existe dentro da universidade privada e como são programas federais, cabe ao Governo Federal também fazer um programa que possibilite que essa juventude permaneça nessas universidades privadas. São programas importantíssimos que foram implementados pelo Governo Federal, mas que também precisam de aperfeiçoamento.

 

Jonny Rabelo dos Santos (Jon Jon), 32 anos, produtor cultural do Coisa Preta e do Festival Psica.

Jonny Rabelo dos Santos, 32 anos, produtor cultural do Coisa Preta e do Festival Psica. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

A nossa principal demanda é mostrar que a nossa juventude tem mais a falar do que apenas a questão da violência. A ligação da violência com a juventude negra é muito presente, mas a gente tem outras coisas pra falar. Principalmente eu que venho de uma época dos anos 90, que a gente não via tanta representatividade quanto a gente tem hoje. Eu acho importante a gente invadir esse espaço e falar que estamos aqui, estamos presentes.

Eu acho importante falar da cultura porque a gente vê que a demanda do mercado cultural é uma demanda branca, cis e hétera, e a gente é bem excluído dessas questões. A gente não vê no mercado tantas oportunidades para outros ritmos e etnias. Por isso a gente toma a frente.

Eu que tenho o Coisa Preta há seis anos, eu faço parte da Batalha de São Brás e eu sempre estou me envolvendo em causas sociais porque, querendo ou não, de onde eu vim, sempre faltou essa questão de ter um representante. Eu nasci no Barreiro e atualmente eu estou em Val-de-Cães, no Marex.

 

Safira do Nascimento Souza, 23 anos, artesã e universitária.

Safira do Nascimento Souza, 23 anos, artesã e universitária. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

Eu acho que no interior sempre acaba tendo mais demandas do que na capital do Estado. Em Barcarena nós precisamos de muito, tanto na área da educação, quanto em emprego e renda para a juventude negra. Nós estamos aqui, enquanto Movimento Popular da Juventude (MPJ), para buscar e dar mais ideias de melhorias para a gente.

Tem muita diferença (entre o interior e a capital), principalmente em estrutura porque eu moro em Barcarena, mas tenho que vir para Belém para estudar na UFPA (Universidade Federal do Pará) e o transporte é precário.

Eu tinha que vir de madrugada, tinha que vir às 4h para estar na universidade às 7h, e nesse horário não tem ônibus. Têm duas linhas de ônibus, somente, que passa de uma em uma hora. E isso está envolvido na área da educação também porque, para conseguir estudar, a gente tem que vir para cá (Belém), então, tudo isso precisa melhorar e muito ainda.

 

Érika Thaís Cruz dos Santos, coordenadora de juventude da Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado do Pará (Malungu).

Érika Thaís Cruz dos Santos, Coordenadora da Juventude da Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado do Pará (Malungu). Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

A gente está com a população da nossa juventude quilombola do Estado do Pará e, hoje, a nossa demanda especial é a nossa juventude quilombola universitária que está aqui dentro da UFPA (Universidade Federal do Pará) ocupando um espaço que é nosso.

Então, uma das nossas prioridades é a permanência desses universitários na instituição, por mais promoção de bolsas do MEC (Ministério da Educação) para a nossa juventude porque as bolsas abrangem poucas pessoas e hoje nós estamos em mais de 200 jovens na UFPA, então, muitos jovens não recebem nenhuma bolsa. Outro ponto muito importante que a gente espera poder ter a oportunidade de pautar é algo que vem nos atingindo bastante, não só a nossa juventude quilombola, mas em geral, que é o nosso psicológico, o nosso emocional.

A gente espera colocar no Plano Nacional da Juventude Negra Vive a promoção de políticas voltadas para o nosso psicológico, o que é muito importante para a nossa permanência, e principalmente a questão do racismo. O racismo nos impede de formar uma sociedade mais plena, que a gente possa estar trabalhando junto na construção de uma sociedade mais justa e fraterna para todos.

Eu sei que são muitas necessidades a serem pautadas aqui por todos nós e por toda a nacional, mas uma das nossas prioridades é a permanência dos nossos jovens nas universidades, mais projetos voltados para nós quilombolas, que estamos aqui ocupando o nosso espaço, e essa questão de políticas de apoio psicológico para a nossa juventude.

 

Darlan Barbosa, 19 anos, estudante e integrante do Grupo Juventude Quilombola Abayomi.

Darlan Barbosa, 19 anos, estudante e integrante do grupo Juventude Quilombola Abayomi. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

Nós, como jovens quilombolas, deveríamos nos interessar por esses projetos que vêm para nos beneficiar, que a gente possa aprender mais sobre o que é ser quilombola, sobre o que é valorizar a nossa cultura ancestral. Esse grupo que eu participo, que é a Abayomi, foi fundado nesse intuito de formar novas lideranças na comunidade e nos fortalecer para nós podermos debater como sermos uma comunidade mais unida.

Eu vim para Belém para estudar, mas eu morava numa comunidade quilombola no município de Salvaterra, onde tem 17 comunidades quilombolas e dessas 17 todos os jovens que se interessam podem participar desse grupo para poder se reunir e debater as demandas que podem ajudar a nossa comunidade.

Eu comecei a participar do grupo em 2019, eu era uma pessoa muito tímida, não conseguia me expressar e com esse projeto eu consegui perder a timidez para conversar com as pessoas, fazer palestras com outros jovens para incentivar eles a participar também porque isso é muito importante para nós, como quilombolas.

É muito importante também os adultos participarem porque muitos não se aceitam como quilombolas. Na minha comunidade tem muito isso, mas esse é o intuito (se reconhecer como quilombola). A gente tem que procurar as nossas raízes, a gente tem que mergulhar na nossa ancestralidade para a gente poder ter uma cultura melhor. A nossa cultura, as nossas comunidades estão se perdendo.

Redação
Redação
O Diário do Pará é um jornal fundado pelo jornalista Laércio Wilson Barbalho, impresso diariamente em Belém desde 1982, pertencente ao Grupo RBA.

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